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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

PRECONCEITOS E JUVENTUDE



Por Gregório Grisa *


Essa onda de atos preconceituosos e manifestações racistas e discriminatórias para com grupos sociais diversos dos últimos meses, nos mostra uma característica fundante da classe economicamente privilegiada do nosso país. Já ouvi falas do tipo “não se pode dizer mais nada que corremos o risco de virar debate na internet e na televisão” ou até mesmo pérolas como “estão exagerando com essa hipervisibilização de movimentos de homossexuais, quilombolas, negros, índios e minorias”.


Processos políticos que signifiquem a perda de privilégios reais ou simbólicos expõem uma conduta preconceituosa que antes não tinha razão de se mostrar. Causam uma sensação de sufoco na elite que a faz gritar “deu, chega desse papo”, e quando os intelectuais que passeiam nas televisões hegemônicas ainda não desenvolveram as perfumarias argumentativas ou os malabarismos de palavras para justificar esse grito, o que exala é mais a raiva instintiva da elite, fruto da sua formação, do que qualquer outra coisa.


Aqui no sul do país isso ficou claro; enquanto a raiva do comentarista Luiz Carlos Prates da RBS contra os “pobres que agora compram carros” se mostrava para todos, no horário do almoço dessas mesmas famílias, seu companheiro de empresa David Coimbra através do seu blog tentou, ao organizar sua perfumaria interpretativa, defender o colega relativizando sua fala carregada de preconceito. Esse é o exemplo típico do fenômeno que descrevi no parágrafo anterior.



A internet, os espaços de trabalho, as disputas nas universidades são os meios pelos quais desagua esse preconceito sem filtro da elite e ao perceberem-se ridiculamente dispostos em uma sociedade cada vez mais plural, alguns grupos, jovens em geral o que infelizmente surpreende, resolvem assumir essa postura retrograda e se unir para não ficar tão feio.

 É o que vem ocorrendo nas eleições dos diretórios centrais dos estudantes da USP e da UFRGS, por exemplo, aonde algumas chapas saudosas de pensamentos conservadores, até certo ponto perigosos, vêm pautando a disputa política por valores religiosos, antidemocráticos, por inculcação de preconceitos que imaginávamos superados e por condutas que ferem o lento, mas fértil processo de avanços que o Brasil tem experimentado. Há uma chapa paulista contra o direito de greve inclusive.


Há uma guerra de posições instaurada entre aqueles que querem a promoção da igualdade entre negros, brancos e indígenas, entre gays e heterossexuais, nordestinos e sulistas e aqueles que resistem de várias formas a qualquer movimento de avanço ou políticas que valorizem grupos discriminados. Esses que resistem, que chamo aqui de elite, o fazem, às vezes, de modo desesperado e desarticulado como temos visto em manifestações absurdas nos meios digitais, mas também o fazem de forma bem organizada e articulada através do monopólio da comunicação por meio de personagens “bonzinhos”, “lidos”, “bem arrumadinhos” que superficialmente analisam a realidade e difundem essas interpretações como verdades.

* Professor, Especialista em Psicopedagogia Social; Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).






Fonte: http://www.gregoriogrisa.blogspot.com/

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A XENOFOBIA DA PAULICÉIA MINA OS ALICERCES DA REPÚBLICA





por Fátima Oliveira


Adoro batata-doce com leite, que em minha infância a gente só podia comer de vez em quando, tipo uma vez por semana, pois vovó dizia que era uma comida danada de boa, mas faltava só um grau pra veneno. Não entendeu? Nem eu, até hoje! Talvez porque é um daqueles alimentos ditos “fortes”, que dão sustança – que a gente come e se delicia. E, ao terminar, está saciada, sonolenta, meia zen! Juro!
Batata-doce com leite é uma carícia quando a gente está em busca de conforto… Sabe aquela sensação indescritível de querer comer algo que não se sabe o que é? Não é fome propriamente, pois com fome come-se qualquer coisa, como se diz no sertão: “A boca quer coisa boa, mas a barriga quer é ficar cheia”.
Comer batata-doce com leite é dar um “trato” em minha memória alimentar afetiva. É comer e sentir renovar as energias. Desde o dia da twitada xenófoba da acadêmica de direito de Sampa, que incitava matar nordestinos por afogamento, eu sabia que precisava de algo! Só consegui falar sobre o assunto após comer batata-doce com leite! “Puxei pela memória”…
Quando morava em São Paulo, na primeira metade dos anos 1990, uma amiga chegou à minha casa e eu estava comendo batata-doce com leite. Ela indagou o que era aquilo. Depois que respondi, a dita cuja lascou: “Ah, que baianada!”. Não engoli calada e, “olhos nos olhos”, me arretei dizendo-lhe que ela sabia que eu não era baiana e sim maranhense, mas que na Bahia também comiam batata-doce com leite, assim como no Nordeste todo.
Como uma socióloga não percebia que a naturalização e a banalização de vocábulos repletos de nojo e asco, que expressam aversão ao estrangeiro (xenofobia – do grego, “xeno” = estrangeiro + “fobia”=medo), são uma desumanização e desrespeito ao outro? Acrescentei que estava pelo gogó com essa história de que todo nordestino em São Paulo é baiano, termo usado não para indicar quem nasce na Bahia, mas para, depreciativamente, se referir a nordestinos e nortistas: “Essa gente lá de cima (demorei pra entender que se referiam ao mapa do Brasil!), que até coisas estranhas come…”.
Na época recrudescia em São Paulo o nojo a nordestinos, para ferir a prefeita de São Paulo, a paraibana Luiza Erundina, que a elite paulistana jamais engoliu! Ao contrário, perseguiu sem tréguas. Coincidentemente, eu estava às voltas com um xenófobo casal egípcio, radicado em São Paulo há mais de 30 anos, pais de um namorado de uma das minhas filhas, que teve o desplante de ir “tomar satisfações” comigo! Foi uma cena ridiculamente surreal!
O pai chegou arrastado pela sua consorte, que não era nada submissa para afrontar-me. Balbuciava que não era contra o seu “bebê” namorar uma “baiana” (pense no asco!), apenas que eu os respeitasse, não oferecendo carne de porco para ele. E que eu ficasse sabendo que o filho dela se casaria com uma muçulmana. Com baiana, jamais! Disse-lhes que a porta da rua era a serventia da casa e os escorracei!
Entendi ali como a elite paulistana, quatrocentona e xenófoba, consegue impor e perpetuar ideias de superioridade racial (racismo) e a renitente aversão a nordestinos: catequizando até imigrantes de outros países que “essa gente lá de cima” (do mapa) é erva-daninha! Na cidade de São Paulo, que tem suor “dessa gente lá de cima” em cada grão de riqueza, tudo o que alguém faz de errado ou que não presta, para xenófobos nativos caipiras e/ou letrados “sorbonados”, é “baianada”.
Chega, a postura xenófoba dessa gente mina os alicerces da República!






Fonte: Reproduzido do blog VI O MUNDO  http://www.viomundo.com.br/
Publicado no Jornal O TEMPO em 16/11/2010